A beleza da intensidade - Parte I


'Cada um vem [a esse mundo] 

com uma intensidade' 

(Emicida - Rapper brasileiro)


Certas notas da guitarra de Jimi Hendrix ultrapassavam as barreiras da música, atingindo níveis espirituais (ou transcendentes, se assim o preferir).

Aonde ele ia com uma nota longa, retorcida e fantasmagórica sempre me assustou! É muitas vezes mais que um lamento: é um grito espesso de desespero e beleza.

Os ruídos no meio das notas ou na transição delas são a marca do músico. A guitarra de Hendrix era lancinante, penetrante. Podia-se ver a luminosidade dos sons que ela emitia.

Eram lambadas como que lâminas de ferro farfalhando, ou em outras músicas o intenso trançado de suas notas e acordes desenhando esculturas inconcebíveis de violenta beleza. 


A intensidade que ele colocava, ora choro, ora desespero nas notas, se somavam à fluidez de suas passagens entre acordes e a sonoridade única que extraía do instrumento. 

Por exemplo, em Machine Gun (Arma de fogo), ele faz uma definitiva crítica à Guerra do Vietnã (1969) e podemos ouvir claramente as bombas caindo, os aviões bombardeando, os tiros de metralhadora, tudo isso saindo de sua guitarra como uma forma de tentar acordar as pessoas do estado hipnótico em que se encontram: quando passam a acreditar que as guerras podem ser vistas como uma coisa normal.


O lirismo em Hendrix encontra-se na força e na sujeira dos ruídos e, também, em contraposição, pode-se ouvir em outros momentos da música, notas limpíssimas em que se assiste o brilho de todos os 'lados' dessa nota, algo como se ela girasse no ar. 

A paixão, o fogo interior com que o mestre da guitarra se envolvia em cada nota que emitia do instrumento era incomparável. A entrega com que Hendrix se dava à música o levava bem próximo da perfeição. Era nesse envolvimento que residia a profundidade e expressividade alcançadas por sua arte.


Jimi Hendrix
Mosaico de palhetas de tocar guitarra
Autor: Ed Chapman

A intensidade pessoal

Foto: Alvaro Nassaralla
Independente do grau de sensibilidade com que uma pessoa nasça e dos fatores externos que a tenham influenciado, todos temos um potencial denso esperando para ser acessado.

Resumidamente e sem pretensões psicológicas, entendo a intensidade pessoal como a compressão e extravasamento de sentimentos e percepções dentro de nós.

No caso de Hendrix, que passou fome na infância e começo da adolescência, muito provavelmente esse processo foi acelerado. Mas cada um de nós tem o seu 'tempo'.

Para o escritor Osho, a humanidade encontra-se numa encruzilhada e precisa de seres humanos aperfeiçoados. Ele diz que esse é uma grande desafio e que "você tem de ser tão meditativo como um Buda, tão amoroso como Krishna, tão criativo como Michelangelo, Leonardo da Vinci". E eu completo: tocar guitarra como Jimi Hendrix ... Brincadeirinha. :)

Na verdade, a paixão está em todos nós. Ela pode estar bem escondida, mas está lá.

Ser intenso pode ser como girar um caleidoscópio e ver a multitude de formas e combinações de cores que podemos ser! Os pedaços de vidro formam insperadas mandalas, vitrais multicoloridos, florais de luz para brincar com nossa imaginação. Assim, ficamos repletos!

Quando criança me lembro que ao olhar no caleidoscópio sentia a profusão dos fractais e quanto mais tentava fazer ele seguir padrões, mais ele criava outros, e consequentemente mais ia sorrindo e me sentido alegre. Eram os dribles que ele dava na racionalidade, o que me fazia exultante!


A beleza intensa

A beleza da intensidade está relacionada não só à força do que sentimos e expressamos no mundo, mas também no sentido da profundidade, de se ir ao âmago, escavar profundezas obscuras de nosso interior, trazendo mundos criativirulentos da arte de ser quem somos nas entranhas. Nas entranhas e brilhando!

Cazuza foi um exemplo maior do que representa viver intensamente. Dizia que gostava de coisas densas, e assim ele era. Abaixo vemos o poema que escreveu simplesmente intitulado 'Poema':

Hoje eu acordei com medo / Mas não chorei nem reclamei abrigo / Do escuro, eu via um infinito / Sem presente, passado ou futuro / Senti um abraço forte, já não era medo / Era uma coisa sua que ficou em mim (que não tem fim) 

De repente, a gente vê que perdeu / Ou está perdendo alguma coisa / Morna e ingênua que vai ficando no caminho / Que é escuro e frio, mas também bonito porque é iluminado / Pela beleza do que aconteceu há minutos atrás


A intensidade do brilho está em nós. A coragem e a beleza de brilhar está em nós, basta nos permitirmos.

Para finalizar, gostaria de deixar registrado que esse texto foi o mais dolorido dos últimos tempos para mim. Foi um parto. Foi apaixonante! Uma verdadeira briga de ideias, juntando-as, separando-as, combinado-as e recombinando-as, até entender melhor o que queria dizer. E destaco, também, o processo de perceber que o texto deveria ser dividido em três partes.

Então, a segunda parte já está a caminho. Retornem! Sua visita é muito importante e o verdedeiro incentivo para que continue escrevendo!


Um abraço daqueles bem intensos!


REFERÊNCIAS

(*) Engenharia cultural: Como transformar ideias em projetos e projetos em realidade
Autor: Fernando Portella
Cidade Viva Editora

(*2) Criativididade: Libertando Sua Força Interior
Autor: Osho
Ed. Cultrix



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