AS VANTAGENS DE TER UMA CABEÇA ABERTA - PARTE 3

A serenidade não passa de um embrutecimento voluntário,
A sabedoria encerra apenas o conhecimento de segredos mortos (...)

(...) Há, nos parece, 
em suma, apenas um limitado valor
No conhecimento que deriva da experiência.
O conhecimento impõe um modelo, e falsifica,
Porque o modelo é vário para cada instante,
E cada instante uma nova e penosa
Avaliação de tudo o que fomos.

T.S. Eliot
in East Coker 



Fonte: www.opengeek.net
Para acompanhar nosso mundo em constante disrupção, temos de evoluir e nos desenvolver no sentido de que as mudanças abruptas de nossos tempos não nos peguem desprevenidos ou que paguemos o preço de ter ficado para trás. Precisamos, sempre, mais e mais da capacidade de adaptação.

A vida no século 21 exige o aprendizado contínuo como também o incremento de nossa criatividade para a superação dos desafios surgidos quase que da noite para o dia.

Na PARTE 1, introduzi o que é estar aberto ao novo e sua importância no mundo atual. Na PARTE 2, desenvolvi a primeira da 8 atitudes que me ajudam a estar disponível ao aprendizado constante e a ter ideias e encontrar soluções de que precisei em algum momento.

São as oito atitudes:

1. Não levar as coisas tão a sério nem se levar tão a sério

2. Vulnerabilidade criativa

3. Saber ouvir /estar aberto a ouvir os outros / deixar os sentidos e canais perceptivos abertos

4. Ter coragem de para enfrentar ideias consagradas.

5. Ter a coragem de admitir que estávamos (ou que estamos) errados

6. Confiar que a ideia vai vir e jogar tudo para o alto

7. Evitar rotular algo como chato!

8. Ver o mundo com os olhos de uma criança


Vamos tratar do item 2 da lista acima, dando sequência a proposta de escrever sobre as 8 atitudes (estados de espírito) que podem contribuir para mantermos nossa 'cabeça aberta' ao novo. 


2. Vulnerabilidade criativa

A vulnerabilidade criativa é a capacidade de estarmos abertos e em grande parte liberados de nossas defesas para a entrada do novo. Ou de outra forma, pergunto:



  • Quão vulnerável ao desconhecido você é?

  • O quão disposto você está a parecer ridículo por perguntar alguma coisa que não sabe, ficar admirado com detalhes que os outros não perceberam e, com isso, parecer um tolo à vista deles, entre outras situações semelhantes?
Aprender e criar são atividades em que nos expomos ao risco psicológico da tensão e/ou da vergonha. Por isso, esse tipo de vulnerabilidade criativa é um estado de espírito que exige o descolamento de nossas vaidades.

Para falar de vulnerabilidade criativa temos de citar a pesquisadora Brenè Brown, autora do best seller 'A coragem de ser imperfeito', referência no assunto. Confesso, para aumentar o meu desconforto e risco, que não o li (apenas resenhas na web).

Você torceu o nariz (^~^)?

Relaxe, alivie-se de crítica e vamos lá!


Fonte: www.genealogyintime.com


Zona de conforto

Para avançar nesse sentido, precisamos primeiro compreender que esse processo está intimamente ligado a nossa 'zona de conforto'. O Wikipédia (*¹) fornece uma bela descrição:

"Na psicologia, a zona de conforto é uma série de ações, pensamentos e/ou comportamentos que uma pessoa está acostumada a ter e que não causam nenhum tipo de medo, ansiedade ou risco. Nessa condição a pessoa realiza um determinado número de comportamentos que lhe dá um desempenho constante, porém limitado e com uma sensação de segurança. Segundo essa teoria, porém, um indivíduo necessita saber operar fora de sua zona de conforto para realizar avanços em seu desempenho - por exemplo no trabalho - eventualmente chegando a uma segunda zona de conforto".

Pesquisando na web vi que especialistas consideram esse lugar confortável – e no qual temos a tendência natural de estacionar – como uma área de ansiedade neutra. Expor-se pode gerar desequilíbrio. Brené Brown descreve a zona de conforto como o lugar psicológico "onde nossa incerteza, temores e vulnerabilidade são minimizados".

Dito isso, vamos agora desmistificar a vulnerabilidade.


Em Primeiro lugar, o que NÃO é vulnerabilidade criativa

A primeira ideia que me vem ao pensar em vulnerabilidade é estar perdido numa mata escura. Mas essa é uma vulnerabilidade real. Também existem a da vida em sociedade (riscos de violência e de perder o emprego, por exemplo) e a psicológica (vergonhas, mal-entendidos, etc).

A vulnerabilidade a que me refiro é a psicológica e, com isso, esclareço que ela NÃO corresponde a nos colocarmos em situações de risco ou sair contando intimidades para os outros. De outra forma, significa admitir para nós mesmos que estamos abertos a receber o 'ataque' do novo ou aceitar perder-se para, posteriormente, se encontrar.

Outra coisa é automaticamente associarmos vulnerabilidade a fraqueza. Pelo contrário, há que ter coragem para encarar zonas de atrito onde as respostas não se apresentam imediatamente e a pressão da não-resposta (ou da resposta em suspenso), gera desconfortos e incertezas que provocam nossos egos.

Em verdade, ninguém é capaz de absorver o novo sem se expor. Estar vulnerável se aproxima do vagar livremente e sem qualquer marcação de tempo (o que não quer dizer uso indevido do tempo).


Disponível ao novo: a vulnerabilidade como afirmação criativa

Sair da zona de conforto e ficar a descoberto, desnudarmo-nos de nossas certezas, das coisas que conhecemos e dominamos bem é a oportunidade de transformar os tempos mutantes em uma vida de oportunidades e plena de significados. Por exemplo, achei incrível o caso de senhor que aos 80 anos cursa a faculdade de agronegócio (*²). Ele não aceitou o paradigma de que na sua idade não se deve iniciar nada na vida!

No caso da vulnerabilidade, se temos medo de passar vergonha por estarmos disponíveis a observar coisas que os outros acham ridículo ou pequenas demais para terem o valor de ser observadas, estamos nos fechando à possibilidade de acumular a alimentação necessária à formação de novas ideias ou soluções.

Toda vez que damos um entendimento a algo, estamos de certa forma avaliando, julgando, aplicando sentidos e, por fim, encaixando o novo numa gavetinha de catalogação dentro do cérebro.

Temos uma tendência a querer logo dar forma a algo novo para que relaxemos e, assim, retornar à zona de conforto. Com isso, ao invés de deixar o novo ir tomando sentido aos poucos (e nosso inconsciente 'trabalhando por nós'), vamos logo julgando e ajustando o novo à forma de entendermos o mundo. Entram em ação nossas crenças, experiências de vida, influências, preconceitos, visões de mundo, etc.

A vulnerabilidade criativa está justamente em atrasar o julgamento para que aquele conhecimento fique 'em suspenso', balançando como que 'dependurado em um despenhadeiro'. É claro que a partir daí podem surgir desconfortos relativos à incerteza.





A vergonha do erro

Pesquisando na web encontrei um artigo muito interessante no site Innovation Excellence (*³) e que me chamou a atenção quando a autora, Josie Gibson, compara a presença de erros em laboratórios científicos e no mundo empresarial. Dependendo da magnitude do erro, convenhamos, o estigma que ele vai gerar é muito maior nas empresas.

Na história das descobertas científicas, os testes e os erros sempre foram vistos como produtivos, como naquela velha frase que o cientista Thomas Edson dizia após um 'fracasso': "Aprendi mais uma maneira de não fazer a lampada elétrica". Vou dizer que, no processo criativo, os erros são de alta produtividade e podem abrir novas fronteiras de pensamento.

Isso me levou a imaginar uma brincadeira que poderia se chamar: "Quem vai errar mais". Dado um determinado problema, quem mais disser maneiras erradas de resolvê-lo ganha. Mas como julgar o que está certo ou errado? Ora, faça o jogo, coloque um árbitro (ou todos juntos) e aprenda criativamente como decidir o que é certo ou errado.

Esses dias vi uma citação anônima nas redes sociais que dizia: "O problema não é tropeçar, mas apegar-se a pedra". Diante disso, fiquei pensando em como a falha a e vergonha nos detém de sermos maiores, de superar bloqueios, de arriscar o novo.


O pulo do gato da vulnerabilidade criativa


Entender e aceitar que somos cofres trancados e abarrotados com o potencial criativo já é um passo grande.

O passo seguinte é estar disposto a sair da zona de conforto e aceitar a 'dor' que isso pode gerar.

O terceiro passo, e que exige prática, é conseguir relaxar e curtir o momento apesar da insegurança, medo ou angústia que você possa estar sentindo. :::)

Dentro desse terceiro passo é que começa a acontecer. Deixe-se vagar e é aí que vamos absorvendo o mundo a nossa volta, abastecendo-nos de alimento para a criatividade e de combustível que será friccionado com o que já existe dentro de nós, provocando a fagulha libertadora que toda nova ideia traz.

O cientista Albert Szent-Györgyi (1893-1986) fala sobre a capacidade da vulnerabilidade em pesquisas: "Vagamos mais ou menos a esmo, até que a ave levante voo aqui e ali ou alguém aviste um rastro".

Relaxar é uma das mais efetivas maneiras de abrir os canais de sua vulnerabilidade criativa. Os canais podem estar embotados pelo desuso, mas existem em todos. Para abri-los, vão algumas dicas que funcionam para mim:

1. Esquecer de si: Abandonar o ego e as vaidades pode ser um dos itens mais difíceis. Veja o que o diretor do filme Birdman, Alejandro González Iñarritu, respondeu quando perguntado sobre como fazia para conter seu próprio ego, sendo um profissional criativo: " ... o ego é como um cometa - você está voando de manhã e, de repente, você se sente como uma água-viva morta. É como se nada fosse suficiente, ou que seu ego fosse te lembrar de quão bom você é, o que é totalmente delirante". O diretor ainda acrescenta: "Com as mídias sociais de hoje, o ego é o rei".

2. Livrar-se do medo de críticas, estarmos livres e dispostos emocionalmente, corresponde a algo como liberar um grande freio acionado para bloquear a caminhada do novo.

3. Livrar-se do perfeccionismo (pelo menos nessa fase!). A vulnerabilidade criativa não é uma boa hora para perfeccionismo. Pelo contrário, ela pede que se esteja aberto para a alimentação de percepções, novidades, feedback de outras pessoas, portanto, os fechamentos e acabamentos estão longe daqui!

4. Observação sem compromisso: Qual foi a última vez em que você caminhou sozinho por um lugar em que ainda não havia passado, relaxadamente, sem compromisso e sem hora para acabar? Pratique a arte da observação sem julgamentos e pense nisso como um presente a si mesmo nos dias 'líquidos' da contemporaneidade. Deixe-se vagar relaxadamente por lugares, ou por músicas e livros, a que você normalmente não chegaria. Confie na sua intuição e deixe ela trabalhar por si. Se houver o que captar, ela captará.






5. Empatia: Colocar-se no lugar do outro ou ver o mundo com os olhos do outro. A empatia é uma forma de criar familiaridade com comportamentos e coisas ao retirar a perspectiva de si mesmo.

Para se ter uma ideia de até onde a empatia pode ir, destaco um dentre vários exemplos de cientistas e inventores que passaram a sentir e pensar como animais, moléculas, componentes mecânicos, etc, em suas pesquisas:

"Charles F. Kettering, diretor de pesquisa da General Motors durante décadas, muitas vezes repreendia os engenheiros que ficavam empolgados com complexos cálculos e modelos, dizendo algo como 'Sim, mas você sabe o que é ser um pistão dentro de um motor?'."
(*⁴)


Crianças aprendem rápido


Alunos caindo no
moedor de carne:
(The Wall - Pink Floyd)
É obvio que as crianças aprendem mais rápido porque estão livres das defesas, conscientes e inconscientes que desenvolvemos pela vida. São livres e ingênuas e isso as deixa mais expostas ao novo.

Por outro lado, somos incentivados a não fugir dos padrões sociais. E isso começa na escola.

Lembra-se que durante as aulas era fácil não fazer perguntas e ficar calado? O sistema educacional e a sociedade parecem conspirar (ops!) conspiram para que ao exteriorizar nossas dúvidas ou ideias, imediatamente passemos a nos sentir ridicularizados. Isso é assustador para a maioria das pessoas.

Está mais do que provado em pesquisas e testes que a criatividade das pessoas vai reduzindo progressivamente conforme se avança nas séries escolares. As escolas não ensinam e até castigam aqueles que expressam a criatividade.

Afirmo: as escolas nos ensinam a perder a criatividade.


Conclusão

Todos nós precisamos do sentimento de segurança para cumprirmos com nossos deveres e curtir o lazer. Sair da zona de conforto não deve ser uma experiência que nos tome o tempo todo. O mais saudável, segundo especialistas, é sair e voltar para onde nos sentimos protegidos.

No entanto, ficar eternamente estacionados no que já dominamos, hoje em dia, pode ser catastrófico. Talvez seja hora de você começar a se tornar um pouco mais vulnerável.



Deixo, por fim, a bela provocação proferida pelo poeta Tavinho Paes no lançamento de seu livro PSICHOLOVERS (*⁵)


"Tenho vergonha de vender meu livro em um bar. Hoje as pessoas não buscam liberdade como nas manifestações de poucas décadas atrás. Hoje, nas manifestações, nos bares, nos shoppings, as pessoas buscam uma só coisa: a segurança. E o que eu tenho a dar, o que esse livro tem a dar é insegurança. Toda a minha insegurança está nesse livro."

DICA FINAL: Pense em algo que tenha de resolver ou sobre algo que você acabou de estudar. Suspenda o julgamento e sinta mais profundamente, deixando que essa situação ou novo conhecimento entre por diversas perspectivas, antes de decidir ou julgar. Deixar em suspensão quer dizer relaxar para que essas coisas novas se acomodem dentro de nós, revelando facetas ocultas e caminhos brilhantes que sequer imaginávamos antes.



CLIQUE ABAIXO PARA VER AS PARTES ANTERIORES DA SÉRIE "As vantagens de ter uma cabeça aberta":

PARTE 1: ... ou 'o que Einstein não levava a sério' ?

PARTE 2: Porque ter a cabeça aberta para o novo, para o desconhecido?



REFERÊNCIAS


(*¹) Zona de conforto no Wikipédia 

(*²) Aos 80 anos, idoso cursa faculdade de agronegócio em Jales

(*³) Vulnerability – All part of the creative process. Josie Gibson. March 31, 2012

(*⁴) Centelhas de Gênios: Como pensam as pessoas mais criativas do mundo. Robert e Michèle Root-Bernstein - Nobel, 2001

(*⁵) Psicholovers - Tavinho Paes 
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